Quando eu era menino, existia no Largo da Sé, no velhíssimo Largo da Sé, hoje Praça da Sé, em São Paulo, um café, na esquina da Rua 15 de Novembro, chamado Café dos Girondinos. Os de mias de meio século devem lembra-se dele. Eu ia para a escola ali na velha Rua da Boa Morte, hoje Rua do Carmo; passava pelo Café Girondino e ouvia sempre o garção gritar lá de dentro: _ "Sai um Pingado!".
Aquele "pingado" que o garção servia me dava então a idéia de ser uma coisa grande, deliciosa e eu, impressionado, não fazia outra coisa senão passar o dia inteiro desejando tomar um "pingado". Mas o empregado que me acompanhava para o colégio não permitia nunca que eu entrasse no Café para tomar o tal "pingado". O "pingado" era a minha alucinação, o meu sonho, o meu desejo. À noite, sonhava com ele.
Uma manhã, quando ia para o colégio, avisaram-me em casa: _ "Você hoje tem que ir sozinho; o empregado não pode acompanha-lo". Que alegria, que satisfação! Era a oportunidade que esperava de tomar um "pingado". Corri ao meu cofre, daqueles antigos, feitos de barro, quebrei-o, peguei as moedas, enchi o bolso, enquanto pensava: _"Será que isto chega para um "pingado"?
Entrei no Café e sentei-me. Nem um rei era tão feliz quanto eu, nem uma noiva no dia de seu noivado! Quando o garção chegou, pedi-lhe com voz emocionada um "pingado". Esperava uma coisa maravilhosa; não sabia o que era, mas a minha imaginação havia criado tal forma, que devia ser uma coisa maravilhosa. O garção gritou lá de dentro, com uma voz aportuguesada: "Um Pingado". Fiquei esperando. De repente, veio o gração e colocou na minha frente um copo de leite com um pingo de café: a mesma coisa que eu bebia todas as manhãs em minha casa, era o tal "pingado"?
Vieram-me lágrimas aos olhos, joguei um níquel sobre o balcão e saí de lá soluçando. Esta lição ficou-me pela vida afora. Daí em diante, quando me vinha um sonho de glória, um sonho de amor, uma ambição, um desejo, algo que queria muito, eu pensava: "Não será isso um simples 'pingado' "?.
Arthur Riedel
Revista Espírita Allan Kardec- Ano III - nº 10 - p. 18
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